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Laboratório de Gênero aponta caminhos para projetos do semiárido brasileiro

17/12/2020

O Laboratório de Gênero, realizado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola – FIDA, aconteceu no começo desse mês de dezembro e contou com a participação dos projetos Dom Távora, de Sergipe, e Viva o Semiárido, do Piauí, ambos apoiados pelo FIDA. Sob a coordenação de Rodica Weitzman, que é consultora do FIDA e doutora em Antropologia Social, o laboratório teve o objetivo macro de refletir criticamente sobre as estratégias de trabalho com gênero e empoderamento das mulheres rurais, buscando uma construção de propostas coletivas que serão implementadas até o final da vigência dos projetos. Em razão da continuidade da pandemia, todas as atividades foram realizadas remotamente.

O trabalho foi iniciado com a identificação das lacunas e potencialidades relativas à questão de gênero, em reuniões de consultas prévias. Nesse momento, a partir da socialização dos diagnósticos entre os dois projetos, foi possível observar as convergências das ações que já estão em curso, mas que precisam ser incrementadas para que atinjam melhores resultados. “Um dos pontos abordados foi a importância de aumentar a presença das mulheres nos cargos de direção de associações e cooperativas, que são instâncias onde já há forte engajamento das agricultoras, mas pouca participação diretiva. Para isso, sugerimos, por exemplo, formas de realizar alterações nos estatutos constitutivos das organizações de base comunitária, além de ações educativas que rearticulam os processos de gestão e de tomada de decisões”, pontuou Weitzman.

Outra recomendação do Laboratório foi a realização de avaliações de impacto no campo de gênero, raça e etnia, analisando essas informações a partir de indicadores chaves e melhorando a capacidade de monitoramento e avaliação, já que, normalmente, os projetos não dedicam tanto tempo para sistematizarem esses resultados com qualidade. A abordagem interseccional é fundamental para compreender a complexidade conjuntural e a incidência de diferentes fatores nas vidas das mulheres rurais. “Daí a importância de nortear nosso entendimento de gênero a partir da sua interação com outras formas de desigualdade social, como raça, etnia e geração”, ressalta a consultora do FIDA.

Já a consultora do Projeto Viva o Semiárido, Sarah Luiza Moreira, salienta que, para além do debate reflexivo, é importante conhecer melhor os indicadores e os elementos conceituais e teóricos que o FIDA considera fundamentais para orientar a continuidade das ações. De fato, o laboratório foi realizado em coordenação com a Assessora de Gênero e Inclusão Social do FIDA para a América Latina e Caribe, Andrijana Nestorovic Strezov, de modo que pudesse haver um alinhamento com processos vividos em outros países da região. “A partir desse olhar para as orientações, foi possível construir um planejamento estratégico de ações numa perspectiva transformadora. O laboratório nos mostrou caminhos para que consigamos dar respostas mais eficazes e eficientes”, arrematou Sarah Luiza.

Nesse mesmo diapasão, a consultora do Projeto Dom Távora, Daniela Bento, aponta para o alinhamento que possibilitou a construção de um plano de ações com foco em três componentes a serem melhor trabalhados: o empoderamento econômico, o empoderamento político, envolvendo também o estreitamento das articulações com movimentos do campo, e a divisão justa do trabalho doméstico. “Entre as estratégias desse plano estão as sistematizações e diversas ferramentas de Gestão do Conhecimento e de Comunicação. Dessa forma, conseguiremos, inclusive, mensurar o legado a ser deixado, fruto das metodologias e tecnologias praticadas ao longo da execução do Dom Távora”, frisou, animada com os resultados do laboratório.

Nos planos de ação, pensados de forma pragmática e viável, para serem implementados em prazos curtos, foram propostas, ainda, formas de ampliar e fortalecer a comercialização da produção das mulheres, especialmente nos circuitos curtos, como quitandas virtuais, e formas de melhorar a divulgação dos produtos elaborados por mulheres, propondo a realização de cadastros e listas que mapeiem esses produtos, inclusive em meios de comunicação. Entre outras ações, estão, também, rodas de conversa sobre atividades produtivas a partir de empreendimentos alternativos, a continuidade do processo de implementação da metodologia da Caderneta Agroecológica e a sistematização de informações sobre a ocupação dos espaços de comercialização por mulheres.

Como elementos norteadores contemporâneos, o FIDA apresentou, por exemplo, a abordagem batizada de “Fechando Lacunas”, que visa a potencializar o trabalho colaborativo e o empoderamento feminino, e a ideia-chave de sistematização e replicação de boas práticas sob um viés estruturante que permite a disseminação em outras escalas. “Durante o laboratório, abordei algumas metodologias inovadoras que vêm sendo utilizadas em outros contextos culturais, como o Sistema de Aprendizagem sobre Iniciativas de Gênero (GALS e “metodologias do lar/propriedade), que conseguem reconhecer desigualdades de gênero como um dos fatores que inibem a eficácia e bem-estar da unidade doméstica, além de cultivar uma visão ‘do futuro’”, finaliza Rodica Weitzman, satisfeita com o trabalho.

 

A trajetória do Grupo de Trabalho para Equidade de Gênero dos Projetos FIDA no Brasil

O Grupo de Trabalho para Equidade de Gênero dos Projetos FIDA Brasil surgiu em 2017, em razão de demandas oriundas das missões de supervisão realizadas pelo FIDA junto aos projetos, tendo sido uma das proposições sugeridas para apoiar as ações de execução. Outra proposta apresentada à época, para fortalecer os trabalhos já desenvolvidos para a promoção da igualdade de gênero, foi a publicação do estudo intitulado Resultados do diagnóstico em gênero dos projetos apoiados pelo FIDA no Brasil (Weitzman, Rodica. FIDA. 2017).

A publicação trouxe outras sugestões, como a necessidade de investir em um processo de sistematização das inovações metodológicas, que pudesse contribuir para o empoderamento das mulheres rurais nos projetos. Isso fortaleceria ainda mais o processo de transversalização do enfoque de gênero no conjunto dos projetos apoiados pelo FIDA. Restou evidente que muitos projetos experimentavam desafios parecidos, e que a socialização destes processos seria fundamental para tentar resolvê-los.

Assim, o Programa Semear Internacional, uma doação do FIDA para promover a Gestão do Conhecimento no Brasil, promoveu um encontro entre todas as assessorias em gênero dos projetos, para que pudessem discutir esse diagnóstico, oportunizando a troca de experiências, desafios e soluções, sob a coordenação da consultora Rodica Weitzman no final do ano de 2018. Foi neste encontro que houve a construção de um “Plano de Ação coletivo” em gênero que visualizava algumas ações estratégicas a serem realizadas em conjunto, como a “Caderneta Agroecológica”, que se tornou o foco de um projeto piloto coordenado pelo Programa Semear Internacional, em 2019 e 2020.

Desde 2019, o GT de Gênero dos Projetos FIDA se consolidou enquanto um espaço de gestão de ações coletivas, além de servir como um canal de comunicação e trocas sobre estratégias e abordagens metodológicas a partir de um enfoque transformador de gênero.