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Análise de um ano de uso das Cadernetas Agroecológicas

14/08/2021

O Programa Semear Internacional acaba de lançar o livro “Análise de um ano de uso das Cadernetas Agroecológicas nos projetos apoiados pelo FIDA no Brasil”, em três idiomas – português, espanhol e inglês. O estudo, que pode ser acessado, nas três versões, aqui mesmo no portal Semear, na aba de Publicações, traz as informações atualizadas com a análise do uso das Cadernetas Agroecológicas referente ao período de setembro de 2019 a setembro de 2020, totalizando 13 meses de anotação. Essa publicação complementa o livro lançado pelo Programa Semear Internacional no ano de 2020 “Cadernetas Agroecológicas e as Mulheres do Semiárido – de Mãos Dadas Fortalecendo a Agroecologia”, que apresentou a análise dos seis primeiros meses de utilização das Cadernetas, correspondendo ao período de agosto de 2019 a fevereiro de 2020, quando 879 mulheres rurais do semiárido utilizaram a ferramenta. Essa primeira publicação está dividida por temas, nos quais se refletiu de forma mais profunda sobre a participação econômica das mulheres na renda mensal familiar; a construção da assistência técnica rural feminista; a divisão sexual do trabalho; e a relação dos quintais produtivos com a segurança alimentar e nutricional.

No atual livro, algumas dificuldades precisaram ser superadas. O primeiro deles foi relativo ao processo de levantamento de dados primários, pois as Cadernetas baseiam-se em anotações de produção autodeclaradas e, naturalmente, as percepções individuais são diferentes em relação à produção, relação econômica e valoração daqueles itens que não são convertidos em mercadoria (o que chamaremos a posteriori das relações socioeconômicas não monetárias – troca, doação e consumo). Este ponto, por si só, já estabelece algumas particularidades que devem ser consideradas no processo de sistematização. Além disso, as Cadernetas são aplicadas em territórios que, apesar de comungarem algumas características, possuem especificidades e heterogeneidades que devem se expressar nas análises, do ponto de vista metodológico e no olhar sobre os resultados. Também por isso, o processo de digitalização, tabulação e sistematização das Cadernetas acaba por não seguir um único padrão, mesmo este tendo sido apresentado e definido em comum acordo com os projetos, e repactuado nos momentos de reflexão realizados virtual e presencialmente ao longo da consultoria. A partir disso, ao longo do processo, a equipe de sistematização se viu diante de alguns desafios não previstos em um primeiro momento.

Feitas estas considerações iniciais, de posse das informações pré-sistematizadas pelas equipes, o primeiro passo era realizar um trabalho de triagem, que se iniciava antes mesmo da sistematização das Cadernetas. Alguns problemas típicos eram identificados e corrigidos, como informações faltantes sobre a relação econômica ou o valor do produto, levando à desconsideração das mesmas. Os desafios se estenderam também quando da aplicação dos questionários. Uma vez que os Questionários para Caracterização do Perfil Socioeconômico (QCS) foram aplicados em momentos distintos e por pessoas diferentes, foram identificados diversos erros de preenchimento, porém sem um padrão evidente. Ainda, muitas respostas vieram em branco, em diferentes seções do QCS de distintos projetos, o que dificultou aprofundar análises de determinados parâmetros para os dados agregados.

Ademais, é importante ressaltar que as informações mensais dos projetos expressam a diversidade de agricultoras que foram se engajando no processo de uso das CA, numa dinâmica bastante viva, tendo algumas iniciado a participação no último mês de anotações das Cadernetas. A entrada de novas agricultoras ou a sua desistência, por diferentes razões, exigiu a atualização da lista de cadastro de todos os projetos, mensalmente. Ainda, em alguns meses algumas agricultoras não conseguiam realizar anotações por motivos pessoais ou, dada a pandemia, nos últimos meses algumas estavam incomunicáveis. Tais motivos são diversos e vão desde restrições práticas para a produção (como enchentes, período de estiagem ou seca) à pluriatividade, ou seja, quando a agricultora passa a se dedicar para outra atividade (geralmente não agrícola), acometimento de doença pela agricultora ou alguém da família, viagens prolongadas etc. Por fim, ainda que a diversidade de situações relatadas acima tenha implicado a redução da base de informações viáveis para a análise, foi constituído um banco de dados com 213.238 (duzentas e treze mil, duzentos e trinta e oito informações), que possibilitaram uma aproximação ou um aprofundamento sobre a realidade das agricultoras, capaz de subsidiar análises bastante interessantes em diferentes níveis.

Sobre a Caderneta Agroecológica

Apresentada em formato de caderno, a Caderneta Agroecológica tem quatro colunas para organizar as informações sobre a produção das mulheres. Nela, registra-se cotidianamente o que foi vendido, doado, trocado e consumido, a partir de tudo o que é cultivado nos espaços de domínio das mulheres nas unidades produtivas da agricultura familiar e camponesa, desde a produção agropecuária ao artesanato e o beneficiamento. A Caderneta Agroecológica foi criada como um instrumento político-pedagógico de formação das mulheres, a princípio, com o objetivo de empoderar as mulheres a partir da visibilidade gerada e da tomada de consciência sobre a importância do trabalho delas próprias, tendo como ponto de partida a percepção destas sobre a importância da sua participação na produção e na renda familiar, contribuindo, dessa forma, para a promoção da autonomia das mulheres. Mas, assim que apareceram os primeiros retornos das anotações, com resultados parciais surpreendentes para as mulheres e para a equipe do projeto, a Caderneta se revelou um eficiente instrumento de monitoramento da produção das mulheres, valorando a produção quase invisível delas para o autoconsumo, a troca, a doação e a venda.