União que faz crescer! Quando passaram a acessar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), agricultoras e agricultores do Assentamento Normandia, em Caruaru, no Semiárido pernambucano, viram no trabalho em conjunto um caminho para garantir a diversidade de produtos, com qualidade, quantidade e regularidade na oferta.
Ao invés de cada família ter uma banca para comercializar os produtos na feira da região, o que era comum, os agricultores do Assentamento começaram a mobilizar produtores de comunidades e municípios vizinhos com a ideia de somar forças. Assim surgiram cinco redes produtivas que, juntas, formam uma grande rede de comercialização. São elas:
1) Rede Produtiva de Tubérculos, Caprinos, Bovinos
2) Rede Produtiva de Avicultura
3) Rede Produtiva de Fruticultura
4) Rede Produtiva de Hortaliças
5) Rede de Mandioca e Milho
Foi dessa forma que esses agricultores conseguiram fortalecer a capacidade produtiva, acessar recursos e unir esforços para a construção da Agroindústria de Normandia.
Municípios Atendidos


Agricultoras e agricultores do Assentamento Normandia e comunidades do entorno dão vida à experiência.
“Os homens eram maioria. Achavam que a gente não ia conseguir fazer o trabalho pesado. Mas a gente faz tudo aqui, uma ajudando a outra e, agora, as mulheres tomaram a frente”, destaca Mauricéia Matias Vicente de Lima, assentada que integra a coordenação da Agroindústria e do Grupo de Boleiras.
Mauricéia Matias Vicente de Lima
(81) 99272-7903
Um dos resultados da organização feminina na região é o surgimento do Grupo das Boleiras, formado por oito mulheres – assentadas e não assentadas. Elas produzem bolos caseiros, servidos na alimentação escolar de Caruaru, via Secretaria Estadual de Educação.
Entre elas, quatro trabalham também na Agroindústria.
A articulação em rede é o ponto principal desta experiência. O funcionamento é da seguinte forma: agricultoras e agricultores se articulam em cinco redes produtivas da agricultura familiar, sendo que cada rede tem um assentamento ou povoado como ponto focal:
1) Rede Produtiva de Tubérculos, Caprinos, Bovinos (Assentamento Normandia);
2) Rede Produtiva de Avicultura (Comunidade de Pau Santo);
3) Rede Produtiva de Fruticultura (Comunidade de Serra Velha);
4) Rede Produtiva de Hortaliças (Comunidade de Peladas)
5) Rede de Mandioca e Milho (Comunidade de Serrote dos Bois).
Ao todo, são 23 comunidades envolvidas, sendo sete assentamentos e 16 povoados. Articulados em redes, os grupos acessam o mercado institucional, fornecendo para o PNAE. Já forneceram para o PAA, mas não fornecem mais.
As duas maiores redes são a de Normandia e a de Pau Santo, com cerca de 100 produtores cada. As demais têm em média 50 agricultores.
Cada rede tem CNPJ próprio e sua gestão é feita por associações ou cooperativas de cada comunidade. A Associação de Assentados e Assentadas de Normandia tem atualmente 67 associados; a Cooperativa de Assentados e Assentadas de Normandia (Coopanor) conta com 17 cooperados.
A organização em rede contribui para garantir a diversidade dos produtos a serem oferecidos no mercado. Durante as reuniões, os envolvidos conseguem ter um mapeamento da produção e saber quais são as novidades para melhor atender o mercado institucional.
São diferenciais desta experiência:
– a participação de mulheres e jovens em espaços de gestão no Assentamento (associação, cooperativa, Centro Paulo Freire etc), de forma geral e na Agroindústria especificamente.
– o fortalecimento da agrovila, com estímulo de cultivo em áreas coletivas, capacitações e trocas entre as famílias para manutenção dos quintais produtivos.
– a possibilidade de trabalho para mulheres que antes tinham sua mão de obra explorada por grandes fábricas do ramo têxtil que predominam na região.
– a capacidade de produzir e comercializar em rede, o que garante um maior alcance na comercialização dos produtos.
Agroindústria
A Agroindústria é gerida pela Cooperativa dos Assentados de Normandia (Coopanor) e tem forte presença feminina. Além de assumirem funções de gestão do empreendimento, mulheres atuam na produção, fazendo o beneficiamento de tubérculos e carnes.
O trabalho depende da quantidade de matéria bruta para ser beneficiada e da demanda de comercialização. Em época de férias escolares, por exemplo, o trabalho é feito apenas duas vezes na semana, pois a demanda de compra para o PNAE é menor.
Com a volta das aulas, costumam trabalhar quatro dias ou mais. Em uma jornada de seis horas de trabalho, é possível produzir cerca de 1 tonelada de mandioca e 1.200kg de carne. Produtos como mandioca, jerimum, batatinha, carne de boi e de caprino são ensacados a vácuo e conservados na câmera fria.
As carnes são da criação dos assentados de Normandia, de outros assentamentos e comunidades próximas. O abate é feito no matadouro público, em Caruaru. De lá, ela é transportada para o frigorífico de Normandia, onde o beneficiamento envolve o corte, a embalagem a vácuo e o congelamento na câmara fria.
Para o trabalho em rede funcionar é preciso investir em articulação política e gestão. A primeira inclui reuniões e encontros entre os agricultores para a definição das atividades de forma participativa.
A gestão contempla parcerias, convênios e gerenciamento de recursos. Quem explica é o assentado Edilson Barbosa de Lima, do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável de Caruaru.
Como são muitos os envolvidos, várias estratégias para fortalecer a comunicação são desenvolvidas:
– Cada rede produtiva promove reuniões mensais com os agricultores associados.
– A rede de comercialização, com todas as redes produtivas, se reúne duas ou três vezes ao ano.
– Parte dos recursos é usada para viabilizar as reuniões e a comunicação constante por telefone e internet.
– Os agricultores das redes produtivas têm acesso a informações detalhadas sobre os valores que investiram e o retorno que tiveram com o beneficiamento da produção na Agroindústria.
A assiduidade em reuniões e encontros, a comunicação constante entre os cooperados e a transparência no trabalho não podem faltar. Edilson explica que é preciso que agricultoras e agricultores entendam o funcionamento das redes e sintam-se confortáveis em participar.
Para que as redes possam funcionar, são investidos recursos para viabilizar as reuniões, o que envolve gastos com transporte e alimentação dos participantes, telefonia e internet.
As contribuições mensais dos associados e os retornos conseguidos com a comercialização para o mercado institucional também são utilizados para manter a rede de Normandia funcionando.
Vale dizer que, frequentemente, são feitos balanços detalhados da produção, para que os produtores saibam exatamente o que investiram de matéria-prima e o que tiveram de retorno com o beneficiamento.
Quanto à manutenção da agroindústria, Mauricéia destaca a importância da limpeza e da higienização do espaço e dos equipamentos.
Com a articulação em rede, a renda dos agricultores envolvidos subiu. Aumentou também a capacidade de organização, que tem facilitado o acesso a créditos e convênios federais.
“O agricultor passou a ter uma formação, porque ele vai para a reunião do grupo gestor, vem na agroindústria ver o beneficiamento, circula entre as comunidades e ainda tem o retorno financeiro”, afirma Edilson.
As mulheres também ampliaram as possibilidades de geração de renda. “A Agroindústria veio para despertar o potencial que já existia em nós, mulheres. Mudou o olhar sobre a produção e passamos a entender que somos nós que ajudamos a fazer as coisas brotarem”, conta Mauricéia.
Além de trabalharem fora de casa, essas mulheres passaram também a assumir outras funções, em espaços decisórios. Há relatos de trabalhadoras da agroindústria que já começam a dividir tarefas domésticas com os maridos, no período em que elas estão no trabalho.
A maior organização das mulheres tem trazido outros frutos, como é o caso da criação de mais um grupo produtivo, o Grupo das Boleiras, que fornecem bolos para a merenda escolar da região.
Outra mudança apontada é o fato de que o trabalho na agroindústria fortalece a reeducação alimentar de famílias que passam a comer o que produzem, sem agrotóxico.
A Associação dos Assentados de Normandia e a Cooperativa dos Assentados de Normandia (Coopanor) nasceram, comitantemente, em 1993. A primeira cuida da parte da representação política em conselhos de direitos e outros espaços decisórios, enquanto a Cooperativa assume, entre outras questões, a produção, a agroindustrialização, a comercialização e a relação com bancos.
No Assentamento são produzidos tubérculos, milho, feijão. Também tem criação de gado. Bem no início, as famílias de Normandia e comunidades vizinhas produziam e iam para feiras vender seus produtos de forma independente.
Em 2008, começaram a comercializar para o PAA e foram provocados pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, que administrava o PAA na época, a produzir mais, o que exigiu deles uma articulação em grupo para dar conta da demanda.
“Isso exigiu uma capacidade de gestão muito maior do que o que a gente tinha inicialmente”, recorda Edilson. Articulados, participaram da chamada pública do PNAE e passaram a fornecer produtos para esse programa também.
A atuação por meio das cinco redes produtivas começou, de forma mais organizada, entre final de 2012 e começo de 2013. Logo colheram frutos: com o fortalecimento da capacidade organizativa conseguiram acessar o Pro Rural, programa do Governo Federal, com recursos do Banco Mundial. Assinaram então, em 2013, um convênio com a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária para implantação da agroindústria de beneficiamento de raízes e tubérculos.
A Agroindústria, tal como é hoje, foi inaugurada em dezembro de 2013. Mas, desde 2008, funcionava de forma menos estruturada, com uma pequena sala de corte nas instalações do Centro de Formação Paulo Freire.
Hoje esse é espaço é utilizado para o encontro das Boleiras, que é um grupo recém-formado por mulheres assentadas que estão produzindo bolos de diferentes sabores, entre eles mandioca e cenoura, e vendendo para as escolas de Caruaru, por meio da Secretaria Estadual de Educação.
Em 2016 as famílias completam 23 anos nas terras onde antes era a Fazenda Normandia. São 546 hectares e 40 famílias assentadas.
Hoje, depois de anos de luta, possuem o título de concessão de uso da terra.
Um espaço de formação funciona desde 2008 com a pedagogia da alternância, tendo suas bases no educador Paulo Freire. Lá, oferecem formação política e técnica para jovens e adultos.
Mauricéia explica que o trabalho educativo desenvolvido no espaço é muito importante para manter os jovens no campo, mostrando caminhos para conviver de forma digna com a realidade semiárida.
“Não é uma escola padrão, do conteúdo, não deixa de ter, mas o perfil é outro, a formação é em movimento”, diz a agricultora.
Os estudantes – assentados e não assentados – fazem formação prática na Agroindústria.
O Assentamento conta também com uma agrovila na qual está a maioria das famílias assentadas. “Fora os 10 hectares destinados a produção coletiva, todos os assentados têm direito a um espaço para construir uma casa na agrovila”, explica Mauricéia.
Na agrovila há uma organização dos quintais produtivos, para que cada família tenha sua área de cultivo de onde possa tirar o seu alimento e comercializar o excedente, garantindo uma produção agroecológica e, consequentemente, a melhoria da qualidade alimentar das famílias.
A palavra de ordem do movimento é: “O assentamento do MST tem que ser o melhor lugar do mundo para se viver”.
Esta experiência acontece dentro dos princípios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Também tem apoio da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco (SARA); Secretaria Executiva da Agricultura Familiar (SEAFI) e do Programa de Apoio ao Produtor Rural (PRORURAL).