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B Boas Práticas na Convivência com o Semiárido

Organização Comunitária
Rede de mulheres

Integrantes do grupo Mãos de Fada, que também compõem a Rede de Mulheres

 

O que é?

A história da Rede de Mulheres se inicia em 1988, e converge histórias de violência contra a mulher e de luta vivida em relações familiares desiguais. Tudo começou quando as mulheres do município de Remanso se uniram a partir da ONG Centro Luiz Nunes, ligada ao movimento eclesiástico da Igreja Católica.

Hoje a Rede é uma organização política e social formada por mulheres artesãs, pescadoras, remanescentes quilombolas e agricultoras familiares. Composta de uma coordenadora geral, uma secretária e uma tesoureira, além de representantes de cada município, eleitas a cada dois anos, a Rede tem trinta anos de existência, tendo como foco principal a formação social dessas mulheres.

Onde aconteceu?

A Rede de Mulheres do Território de Identidade do Sertão do São Francisco conecta mulheres dos dez municípios que fazem parte do Território Sertão do São Francisco, são eles: Uauá, Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova, Curaçá, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé e Sobradinho.

  

Como aconteceu?

Mulheres de diferentes municípios, reunidas para criar estratégias de combate à violência contra a mulher.

 

Tudo começou com a ONG Centro Luiz Nunes, ligada a Igreja Católica, onde começaram a fazer encontros para aproximar essas mulheres do município, para que pudessem se alfabetizar, tirar os documentos pessoais – pois a maioria delas não possuía carteira de identidade -, além de falar sobre questões como saúde e higiene pessoal, por exemplo.

Assim, diante de um contexto em que não eram ouvidas, elas decidiram organizar, no ano de 1997, uma marcha de protesto, um dos marcos da história da Rede. A manifestação teve o objetivo de chamar a atenção das autoridades para ações preventivas e punitivas a respeito da violência contra a mulher. Até o ano 2000, as mulheres estavam organizadas como um movimento, chamado Água Viva. Foi a partir de então, com apoio do Conselho Pastoral da Pesca (CPP) e da diocese local, que formaram a Rede de Mulheres.

 

Como implementar?

Com toda essa organização, as mulheres foram se fortalecendo, e aqui vamos mostrar como elas conseguiram se juntar, criar essa Rede e “fazer acontecer”.

Através da Rede de Mulheres, elas passaram a promover assembleias anuais, onde reúnem todas as representantes dos municípios, lideranças e instituições parceiras da Rede, que atualmente são: a Igreja Católica; o Projeto governamental Pró-Semiárido; a entidade Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA); a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR); o Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (Sasop); o Serviço de Assistência Socioambiental no Campo e Cidade (Sajuc); e a Central de Comercialização da Cooperativa da Caatinga.

Uma das assembleias da Rede, realizada no município de Pilão Arcado.

 

Cada uma dessas assembleias é realizada no município escolhido de acordo com as vulnerabilidades locais, com o objetivo de fortalecer o grupo de mulheres daquela localidade. Na ocasião, cada representante pode relatar as ações feitas durante o ano, além de se promover uma formação política e de construírem o planejamento das ações futuras, que estão sempre relacionadas a assuntos de interesse das mulheres, como autoestima, cidadania, regularização da documentação e violência doméstica, por exemplo.

No ano de 2017, ficou definido que o tema trabalhado seria a violência contra a mulher. Para isso, foram realizados sete encontros no Território de Identidade do Sertão do São Francisco, através do apoio do Projeto Pró-Semiárido. Durante os encontros as mulheres participantes eram informadas sobre os diferentes tipos de violência previstos na Leia Maria da Penha, além de participarem de mesas debatedoras e da realização de feiras para comercialização de suas produções.

 

A partir dessas articulações, elas conquistaram parcerias

Dentro desse contexto, buscando fortalecer experiências que tem o objetivo de promover a autonomia econômica e empoderamento dessas mulheres, o Projeto Pró-Semiárido, fruto da parceria entre o governo do estado e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), tem apoiado empreendimentos advindos dessa Rede.

Uma dessas experiências, o Balaio da Caatinga, é formada por dez agricultoras familiares do município de Sento Sé, que trabalhavam na produção de mandioca para transformar em tapioca. Em 2008, por meio da Rede de Mulheres, realizaram uma capacitação para trabalhar esse beneficiamento de forma aprimorada. Com esse apoio, puderam acessar o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), além de obter financiamento para construir uma cozinha equipada para o processamento da tapioca em produtos como sequilhos e biscoito de polvilho.

E, para comercializar esses produtos, estrategicamente, essas dez mulheres se vincularam à Associação de Apicultores de Sento Sé, e puderam acessar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Venderam os produtos por dois anos. Em seguida, já por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), via prefeitura, passaram a entregar os produtos nas escolas municipais, para serem consumidos pelas crianças. Além desse fornecimento mensal dos lanches nas escolas, o Balaio da Caatinga também passou a fazer vender no comércio local, na vizinhança e nas feiras.

Isso se deu depois que estabeleceram a estratégia de fortalecimento da rede curta de comercialização, juntando grupos de diferentes comunidades. Um deles, o grupo Mãos de Fada, do município de Remanso, formado por dezoito mulheres, trabalhava na produção de produtos de limpeza. Mas, devido à dificuldade de aquisição de matéria-prima e de acesso a pontos de comercialização, elas pararam a produção.

Por meio da Rede de Mulheres, o grupo fez capacitações para produção apícola e, em 2009, através de um projeto da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e da Articulação Sindical, começaram a criar abelhas para produção de mel, própolis, cera e sabonete.

Além disso, em paralelo à atividade de apicultura, as mulheres trabalham fazendo bolo, geleia, mousse, doces, polpa, compota, licor e artesanato, e fornecem toda essa produção para o PNAE, para a vizinhança, e vendem também em feiras livres e para revendedores. Como parte das ações do Pró-Semiárido, o grupo foi beneficiado com a construção de uma Casa de Mel, melhorando a qualidade e a rapidez na lida com as abelhas.

As mulheres da Rede também participaram de uma experiência voltada ao cuidado com meio ambiente, uma experiência de recaatingamento, o que foi bastante importante para a atividade produtiva que elas realizam, além de ter grande reconhecimento na comunidade, contribuindo para o empoderamento delas. Isso fica claro na fala de Marly, uma das representantes do Balaio da Caatinga, que diz: “antes eu tinha vergonha de dizer que eu era agricultora, eu dizia que era doméstica. Hoje não. Hoje eu bato no peito e digo com orgulho: ‘eu sou agricultora’”.

 

O que mudou?

Através dessa articulação em rede, as mulheres puderam se fortalecer tanto economicamente como também em termos sociopolíticos, ambientais e culturais. Com essa organização, e o apoio do Pró-Semiárido e de outros parceiros, elas têm construído suas próprias histórias, comprometidas não somente com si mesmas, mas com a coletividade das respectivas comunidades e contextos de vida.

  • Com a estruturação Central de Comercialização de Cooperativas da Caatinga, há a convergência de diversas atividades produtivas, o beneficiamento de frutas, beneficiamento da mandioca, de peixe, artesanato, além de uma loja de produtos da agricultura familiar, no centro do município de Juazeiro.
  • Diversos grupos produtivos da Rede de Mulheres foram fortalecidos, o que abriu portas para firmarem novos contatos e parcerias.
  • Através da Rede as mulheres tem alcançado autonomia econômica, e as formações que participam também aumentaram a sua autoconfiança. Hoje, elas buscam alternativas para conquistar também a autonomia do tempo, que possibilita que elas organizem seus próprios horários, além da autonomia para reivindicar a divisão justa do trabalho doméstico com suas famílias.
  • Os temas das formações oferecidas as integrantes da Rede são de extrema importância para a realidade da região, tendo em vista os altos índices de violência contra as mulheres. Com elas, o grupo vem conquistando cada vez mais empoderamento e contribuindo para uma mudança na realidade da região.
  • As mulheres que integram a Rede também contribuem para o desenvolvimento de suas comunidades de origem, já que as experiências e o conhecimento adquirido nas ações e formações podem ser multiplicados, gerando novos frutos.

O exemplo da Rede de Mulheres permeia todas as dimensões da vida, não somente econômica, como também sociopolítica, ambiental e cultural. E, reafirma o compromisso do grupo com o enfrentamento ao padrão de identidade construído socialmente, em que se atribuem papéis aos homens e às mulheres somente por seu sexo.

Isso fica claro na fala de Ivete, 67 anos, participante do grupo: “As mulheres, aqui, descobriram o que é desigualdade. A gente saiu da cozinha, porque, antes, era da cozinha pra roça. Hoje a gente descobriu que a mulher tem seu espaço, e não é mais só na cozinha, não”.

Quem faz a experiência? 

Essa experiência foi realizada pela Rede de Mulheres, do Território do Sertão de São Francisco/BA.