[gtranslate]

B Boas Práticas na Convivência com o Semiárido

Produção Agroecológica
Quintais produtivos

 

 
À esquerda, Francimária no seu quintal produtivo, à direita, a casa onde morava antes, até conseguir melhorar de renda e construir outra em alvenaria.

 

O que é?

Essa é a história de Francimária Gomes de Oliveira, agricultora de 45 anos, mais conhecida como Cimara. Natural do Ceará, onde reside até hoje, ela trabalhou desde os doze anos na roça, com o pai, e ao se casar, aos quinze anos, passou a trabalhar com o esposo.

Com a situação difícil que a família enfrentava, ela decidiu vender pastel, coxinha, enroladinho e cocada, que fazia e saía todas as tardes para vender de porta em porta. Assim, Cimara viu que tinha jeito para o comércio, e buscando expandir sua produção, ela começou a trabalhar com horticultura e se tornou referência na região, sendo a primeira a vender através do PAA e incentivando outras mulheres de sua comunidade.

  

Onde aconteceu?

 

A trajetória de Cimara se passa na comunidade de Oiticica, onde nasceu e cresceu, e que fica no município de Tauá, a 331km de Fortaleza, capital do Ceará.

 

Como aconteceu?

Cimara vivia com sua família em uma casa de taipa, mantida até hoje, ao lado da casa de alvenaria onde atualmente residem, ela, seu esposo, seus dois filhos, um jovem de 28 e uma de 25 anos, e dois netos.

Dependendo apenas do trabalho na roça, eles passavam muita necessidade, por isso Cimara começou a vender salgados e doces, e posteriormente teve a ideia de criar uma horta para comercializar as hortaliças.

Para começar seu trabalho com Horticultura, ela preparou cinco canteiros e desenvolveu uma horta para vender a produção na localidade vizinha, chamada de Vila de Vera Cruz. “A vida começou a melhorar depois dos canteiros, porque só a roça não estava dando conta”, afirmou.

 

Como implementar?

 

Premiação “Mulheres Empreendedoras”, dada a Francimária  pela Associação Comercial do município.

 

Vamos conhecer um pouco mais da trajetória de Cimara e entender como ela conseguiu desenvolver seu quintal produtivo, melhorar a renda familiar e ainda inspirar outras mulheres de sua comunidade a seguir o seu exemplo.

Com a nova atividade desenvolvida na Horta, e o aumento da produção, Cimara acessou o Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) e, em 2004, se tornou a primeira agricultora da comunidade a comercializar seus produtos para o mercado institucional, o que foi um primeiro grande marco na mudança da sua vida.

Com a nova atuação, toda a família passou a se envolver no plantio, e foi com esse trabalho voltado para o PAA que ela se tornou uma referência para as mulheres da comunidade.

“Aqui, só quem tinha canteiro, horta, era eu. Eu fiz foi ativar, e hoje essa mulherada toda está tudo com um quintalzinho. E o meu, a cada dia, fez foi crescer mais. Meu trabalho ajudou, porque agora as mulheres, tudo, têm seu quintal, tudo vai vender, a maioria está no PAA. Da comunidade atinge umas vinte pessoas, todas são mulheres. Tinha marido que dizia: ‘você foi na cabeça dela e não vai receber dinheiro não’. Três meses e esse dinheiro não saía. Quando deu quatro meses, lá vai: R$ 4.500,00 caindo, todinho. O marido ficou satisfeito demais”, destaca orgulhosa!

E Cimara, não satisfeita, decidiu inovar um pouco mais! Ela fez cartões para divulgar seus produtos. Com isso, ampliou suas vendas, passando a vender na localidade de Tauá, e recebendo pedidos até por aplicativo de mensagens. Mesmo sem saber ler, grande parte de sua clientela faz pedidos por meio de mensagens de áudio.

No dia a dia, ela e o marido trabalham na horta, que fica nos arredores de casa. Dia sim, dia não, ela vai para Tauá vender a produção. Além da venda para o PAA, ela entrega sozinha nas quitandas, nos mercados, e vende nas portas das casas cheiro-verde, pimentinha e mamão. À noite ela trabalha fazendo os doces e bolos, embalando, colocando os rótulos. A rotina é muito intensa, mas ela acredita que é com o resultado do seu trabalho que poderá garantir uma vida melhor para os seus/suas filhos/as.

 

Com parcerias, Cimara consegue potencializar ainda mais o seu empreendimento.

Em 2016, o Projeto Paulo Freire, executado pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Governo do Ceará, a partir da parceria com o FIDA, chega à comunidade de Oiticica e à vida de Cimara. Por meio da Associação dos Moradores de Milagres, é implementado um Plano de Investimento que beneficia 95 pessoas, sendo destas, 39 mulheres e, entre elas, está Cimara.

Com o investimento do Projeto Paulo Freire e a assessoria técnica contínua, as possibilidades de comercialização se ampliaram: Cimara tinha apenas dez canteiros, e hoje ampliou para quarenta, com perspectivas de ampliar futuramente para cinquenta.

Além disso, o Projeto ofereceu diversas capacitações que trouxeram melhorias na execução das atividades que já vinham sendo realizadas, além de ampliar os horizontes e trazer novas perspectivas de atuação e mercado.

“Eu tenho tanto diploma de cursos, tenho de bolo, que nós já tivemos, do Paulo Freire, de pão caseiro, de sequilho. Já tivemos reunião da associação pra falar dos direitos das mulheres, só com mulheres. Nós ‘tava’ imaginando nós montar uma padaria”, lembra Cimara

 

O que mudou?

Com essas inovações e as parcerias firmadas, Cimara conquistou grandes melhorias em sua qualidade de vida, veja algumas delas:

  • Hoje, Cimara fornece para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), alface, cheiro verde, mamão, bolo e doce e recebe o pagamento a cada três meses. Ela conta que chegou a receber R$ 4.500,00, mas hoje, com a diminuição do aporte financeiro por meio do governo federal, o valor diminuiu e passou a ser de R$ 2.500,00, por entrega.
  • Com o seu trabalho para fornecimento ao PAA, ela juntou dinheiro para investir na propriedade: cavou um poço e instalou irrigação na horta. Essa atitude foi fundamental para dar mais estabilidade à sua produção e diminuir o peso do trabalho.
  • Foi com esse ganho de renda, que ela conseguiu construir sua tão sonhada casa nova, de alvenaria; conquista que alcançou em 2005.
  • Além da Horta, Cimara também cria e comercializa galinhas, o que se tornou mais uma fonte de renda para a família.
  • Com a chegada do Projeto Paulo Freire (PPF), ela conseguiu diminuir as pragas e doenças da horta, a partir do aprendizado de novas técnicas como a horta suspensa e o cultivo de plantas que ajudam no controle dos insetos, além do uso de defensivos naturais, sempre em busca de maior equilíbrio biológico na produção.
  • Cimara e as demais mulheres da comunidade conseguiram, a partir das orientações, aumentar a quantidade e a qualidade da criação de animais do quintal, como também das galinhas e porcos, através da melhoria do manejo alimentar e sanitário, entre eles a vacinação de pintos, o uso de limão na água das galinhas contra o gogo e a limpeza periódica dos bebedouros feita com reutilização de garrafas pet.
  • Houve melhoria na fertilidade do solo, com a diminuição das erosões e contaminações, com o uso da cobertura morta e diversificação dos plantios no quintal, sempre utilizando composto orgânico, no qual se reaproveita tudo e economiza na compra de sementes. Mesmo diminuindo a produção de lixo, a destinação correta segue como um desafio, principalmente quanto aos plásticos.
  • A partir da assessoria possibilitada pelo PPF, Cimara conseguiu identificar que houve mudanças ambientais significativas, como o aumento da área de mata, depois que passaram a não desmatar e a plantar árvores frutíferas, para ter mais sombra e mais produção.
  • Com a renda dos quintais, hoje, ela consegue manter o filho na escola, que funciona em sistema de alternância, pagando as taxas necessárias e a gasolina para o deslocamento quinzenal até o município de Independência, que fica a mais de 100 km de Tauá. Para as demandas de estudos do filho, Cimara também conseguiu, com seu trabalho nos quintais produtivos, ter um sinal de internet em sua residência.
  • As mudanças nas condições de vida da família de Cimara foram muitas. Com o aumento nas vendas, passaram a adquirir novos equipamentos domésticos compraram uma máquina forrageira e um tanquinho para lavar roupa. Antes do projeto, eles conseguiam uma renda de um salário mínimo da época, e agora, depois do projeto, esse valor chega a cerca de 2mil reais.
  • O resultado do trabalho é extremamente positivo, tanto para Cimara e sua família quanto para as demais beneficiárias da comunidade, não apenas por ter se tornado um exemplo, mas pela possibilidade de pagar diárias a agricultores locais, duas ou até três vezes por semana, para trabalharem na horta, gerando renda para toda a comunidade.
  • Sobre a questão da violência contra as mulheres, Cimara diz que percebe diminuição dos casos, porque, segundo ela, “hoje as mulheres já não são dependentes do marido” – uma afirmação que expressa a compreensão de que a autonomia econômica é um caminho para o enfrentamento à violência contra as mulheres.
  • A agricultora passou a ser referência para as outras mulheres da comunidade por sua dedicação e luta. Cimara conseguiu melhorar a qualidade de vida de toda a família e envolver a todos/as em uma atividade produtiva que era considerada apenas como trabalho de mulher, mas era invisibilizada e desvalorizada.

Com todas essas conquistas, Cimara se mostra extremamente feliz pelo reconhecimento do seu trabalho. Sua propriedade recebe diversas visitas e participa de intercâmbios, com a vinda de pessoas de outras comunidades e também de outros estados. Além disso, ela recebeu do prefeito de Tauá, a premiação “Mulheres Empreendedoras”, dado pela Associação Comercial do município.

A experiência de Francimara envolve todo o processo de diversificação e fortalecimento das suas atividades produtivas, especialmente de horticultura, no quintal produtivo que, a partir do acesso à água e irrigação em uma região semiárida, tem colhido frutos de forma continuada e com qualidade, além de mostrar a importância de se explorar diferentes formas de comercialização.

 

Quem faz a experiência?

 

Essa é a experiência de Francimária Gomes, da Comunidade de Oiticica, Município de Tauá/CE.