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B Boas Práticas na Convivência com o Semiárido

Produção Agroecológica
Quintais produtivos e avicultura

 

Reunião entre as mulheres do grupo ‘Guerreiras do Pajeú II’

O que é?

Essa é a história de um grupo de mulheres, chamado Guerreiras do Pajeú II, e esse nome não é por acaso. Ele é composto por 20 mulheres valentes, do sertão de Pernambuco, que há 13 anos começaram a se organizar coletivamente, com o apoio da Associação de Mulheres Urbanas e Rurais de Tabira (Amurt).

As guerreiras são agricultoras familiares, trabalham no roçado junto com a família produzindo milho, feijão, fava, jerimum, melancia, maxixe, aipim; mas, ao redor das casas, elas plantam suas hortas, principalmente para autoconsumo. Algumas delas também criam galinhas, e até gansos, para comercializar os ovos, além de venderem leite e manteiga de garrafa, de produção própria. Com essas atividades desenvolvidas em quintais produtivos, elas contribuem para o aumento da renda da família e para garantir uma alimentação saudável na mesa.

 

Onde aconteceu? 

A experiência das Guerreiras do Pajeú II acontece na comunidade de Poço Redondo, em Tabira, a 395 quilômetros de Recife, estado de Pernambuco.

 

Como aconteceu?

Elas começaram as atividades identificando as famílias que seriam beneficiadas por suas ações. Mas vale também destacar um momento muito importante para a história do grupo e para as mulheres de Poço Redondo, que foi a escolha coletiva do nome.

Através de um encontro, onde definiram os objetivos, qual seria a forma de funcionamento do grupo e, com o apoio da Casa da Mulher do Nordeste (CMN), elaboraram um regimento, usado como referência até hoje, veio também a escolha do nome para essa organização.

Ele surge de uma reflexão sobre qual seria o termo que as representasse, e assim, o título de Guerreiras do Pajeú II, foi definitivo para se perceberem como verdadeiras guerreiras, mulheres que trabalharam muito para alcançar cada conquista. O nome falava, e fala, muito sobre a trajetória do grupo e das mulheres que o integram.

 

Como implementar?

 

À esquerda, as mulheres do grupo; à direita, ovinocultura desenvolvida nos quintais produtivos.

 

Aqui não mostraremos o passo a passo de como implementar um quintal produtivo, mas de como essas mulheres agricultoras conseguiram se articular em uma organização associativa que beneficiou a todos elas e potencializou a produção, gerando ganhos econômicos e sociais.

O grupo começou essa organização Há 13 anos, contando com o apoio de outras organizações já existentes na região. E, em 2007, com a chegada do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC), as mulheres se fortaleceram, e contaram também com o apoio e a assessoria técnica da Casa da Mulher do Nordeste (CMN).

Muitas das diversas atividades que as mulheres tiveram acesso chegaram à comunidade Poço Redondo por meio do PDHC e serviram para fortalecer a comunidade e a organização das mulheres. Entre elas podemos citar: o Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que levou um acervo de aproximadamente duzentos livros para a comunidade; a construção de 30 cisternas de placa para captação de água para consumo humano, beneficiando 32 famílias; a plantação de palma forrageira e silagem para armazenar alimentação para os animais no período da estiagem; e a instalação de ecofogões.

Através das ações do PDHC, foram trabalhados processos produtivos e organizativos de forma articulada, englobando a formação sobre temas como associativismo, cooperativismo, organização coletiva, gestão participativa, acesso às políticas públicas, agroecologia, segurança alimentar, juventude, gênero, raça e etnia.

O valor disso tudo pode ser percebido após o término do projeto, pela solidez com que o grupo de mulheres continua se desenvolvendo.

Em 2018, depois de mais de dez anos do Projeto Dom Hélder Câmara, elas continuam se reunindo todos os meses para conversar sobre as necessidades do grupo – momento em que aproveitam para compartilhar anseios e desafios e buscar maneiras de se ajudarem. Desses encontros elas organizam festas, rifas e bingos para arrecadar fundos, agendam participação em reuniões, atos públicos e definem cursos e atividades do sindicato ou da Amurt em que estarão presentes.

Outras parcerias também fortaleceram o grupo.

Além do Projeto Dom Hélder Câmara, fruto de um acordo de empréstimo do Governo Federal com o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), outros apoios e ações também foram fundamentais para fortalecer o grupo.

A presença da Casa da Mulher do Nordeste (CMN) na comunidade, por ser uma organização feminista que passou a realizar a assessoria do grupo, permanecendo até os dias de hoje, contribuiu muito para o empoderamento e organização dessas mulheres. Além de oferecer ações de educação ambiental para as crianças e realizar a perfuração de dois poços profundos para famílias da região que ainda não possuíam acesso a água.

Outras entidades como a Diaconia, que contribuiu na construção de três biodigestores e aquisição de ovelhas para doze famílias, e a Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú, que desenvolveu dois projetos para reuso de água, também contribuíram para o sucesso da organização. Além de contarem com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tabira.

O grupo também participou de uma série de cursos, entre eles: o de costura e fitas e o de produção de licores, organizados pela Prefeitura; cursos de doces e salgados e de biscuit, promovidos pela Diaconia; de produção de sabão, pela CMN, e de pães, pela Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú.

Do grupo, 21 mulheres também acessaram o Fundo de Investimento Social e Produtivo – Fisp Mulher, fomento, a fundo perdido, no valor de R$ 1.050,00, para aquisição de dez aves e construção de um aviário com tela.

Esse recurso foi adquirido por família, por meio da associação, que realizou as compras e pagou a mão de obra para as construções. Com esse projeto, foi possível o aumento da renda da família, na medida em que possibilitou a ampliação do número de animais nos quintais. E, complementando o trabalho, a assessoria técnica realizou oficinas para melhorar o manejo alimentar e sanitário da criação, implicando na diminuição dos custos com a produção e na qualidade da alimentação familiar.

Além disso, o grupo decidiu ampliar o número de mulheres beneficiadas da comunidade. Com os recursos e bens recebidos por meio do Fundo de Investimentos, a comunidade criou um Fundo Rotativo Solidário, reproduzindo os seus animais e distribuindo a mesma quantidade recebida para outras mulheres que não haviam sido beneficiadas, ou mesmo para aquelas que tiveram perdas de animais durante o processo.

Também desenvolveram uma poupança comunitária, gerida coletivamente, com o objetivo de fortalecer a agricultura familiar. A partir da perspectiva da economia feminista e solidária, as mulheres do grupo iniciaram esse fundo com a sobra de recursos do Fisp Mulher, que na época foi de R$ 200,00.

Com o Fundo Rotativo, elas puderam investir em atividades como compra de máquina de costura, de produtos da linha de cosméticos para revenda, de linhas e agulhas para produção de artesanato, além de ração para porco, galinha, cabras e ovelhas, especialmente em períodos de longa estiagem.

Ao longo desses anos o Fundo Rotativo foi acessado por dezenas de mulheres da comunidade, gerando renda e trabalho, e sempre guardando um pequeno percentual para a reserva do fundo rotativo, que hoje tem seu recurso triplicado, chegando a R$ 600,00, e o emprego desses recursos é sempre decidido de forma coletiva pela comunidade.

O que mudou?

Com a organização dessas mulheres Guerreiras do Pajeú, houve uma série de mudanças nos âmbitos ambientais, econômicos, sociopolíticos e nas relações de gênero. Confira algumas delas:

  • Houve o aumento do reflorestamento na região por meio do plantio de mudas recebidas, além da diminuição do uso de madeira através dos ecofogões.
  • Melhoria do acesso à água com a construção de cisternas para o consumo humano e também a melhoria da qualidade das águas dos rios, que passaram a ser mais bem preservados após os processos de formação.
  • As novas práticas agroecológicas de manejo e uso de inseticidas naturais, como a calda do nim, melhoraram a fertilidade do solo e contribuíram para o reaproveitamento de insumos.
  • Houve a ampliação da quantidade de animais, com o projeto de criação de galinhas, melhorando a renda das famílias. O que pode ser constatado pelo aumento do poder de compra, como a aquisição de novos equipamentos domésticos como máquina de lavar, batedeira, televisão e celular.
  • Com a assessoria técnica e o aumento da produção de alimentos nos quintais, as famílias conseguiram ter alimentação mais saudável em suas mesas.
  • O processo de participação das mulheres da comunidade foi fortalecido com a participação em reuniões, dentro e fora da comunidade, em cursos, festividades e confraternizações.
  • Quanto as relações de gênero, houve diminuição da violência contra as mulheres, graças ao processo formativo e à sua organização, mas ainda há o desafio da divisão justa do trabalho doméstico e cuidados, mesmo que elas já tenham conseguido iniciar algumas mudanças em casa.
  • Outro aspecto importante foi a diversificação de produtos beneficiados, como queijo, doces, manteiga e sua comercialização local. E, com o aumento da produção própria, houve diminuição significativa nos custos das famílias com alimentação, percebida especialmente com os quintais produtivos.
  • A aquisição de equipamentos, como forrageiras, bomba d’água e foice elétrica tem reduzido a mão de obra mais pesada, mesmo que haja um aumento no volume de trabalho, esse não exige mais o mesmo esforço físico.

Com todas essas mudanças, conquistas e desafios superados, a trajetória das Guerreiras do Pajeú II serve de exemplo para muitas outras comunidades. O fortalecimento coletivo dessas mulheres, que até hoje se reúnem de forma sistemática, mostra que com união, solidariedade e trabalho conjunto, é possível concretizar grandes sonhos e mudar realidades.

Como afirma uma das participantes do grupo: “Tem muita conquista. Só de a gente estar reunida todo mês, discutir os assuntos do grupo… Às vezes tem uma companheira passando por momentos difíceis, a gente conversa, explica, ajuda com uma palavra, porque às vezes uma palavra ajuda muito mais do que o financeiro”.

 

Quem faz a experiência? 

Essa é a experiência das Guerreiras do Pajeú II, na Comunidade de Poço Redondo, Tabira/PE.