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B Boas Práticas na Convivência com o Semiárido

Gestão das Águas
Gestão das águas

Reuso de águas cinzas que proporciona maior segurança hídrica para a produção.

 

O que é?

Vamos conhecer a experiência da família Barroso, que vive no semiárido cearense. Com a ajuda de um conjunto de quatro diferentes tecnologias sociais que foram implementadas no local, eles conseguiram melhorar a convivência com o clima da região.

Com isso, e por meio da organização familiar e divisão de tarefas, alcançaram impactos positivos para a produção de alimentos, hoje diversificada, e para a soberania alimentar e nutricional, o que gerou ainda o aumento de renda e melhorou a vida de todos.

Onde aconteceu?

 

 A família reside na comunidade Trapiá, no município Massapê, estado do Ceará.

 

Como aconteceu?

A família Barroso é formada pelo senhor Assis, dona Lucivalda e seus filhos, Gino, Jucivan e Gisele. Há muito tempo, eles são ativos na associação local e conhecidos na comunidade pelo envolvimento de todos os membros nas atividades produtivas na terra.

Típica do clima do Semiárido nordestino, a região onde residem enfrenta longos períodos de estiagem e altíssimos índices de evaporação. Assim, as famílias em geral sofrem impactos negativos com as questões climáticas, as quais resultam na limitação da produção de alimentos e da criação de animais e geração de renda, deixando-as com dependência em consumir insumos de fora da propriedade.

Porém, o processo de organização social dos Barroso contribuiu para que a família fosse sucessivamente beneficiada por tecnologias sociais, o que permitiu a disponibilidade de água para consumo humano e doméstico, além de possibilitar a criação animal e produção de alimentos.

 

Como Implementar?

Aqui vamos conhecer um pouco mais da trajetória dessa família, e de como puderam usar diversos recursos e tecnologias sociais de convivência com o semiárido para garantir a sustentabilidade de suas produções.

No ano de 2005, eles foram contemplados com uma cisterna de 1ª água – que reserva a água captada da chuva por meio de calhas instaladas nas biqueiras da casa -, por meio do Programa Um milhão de Cisternas (P1MC). Em 2009, o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) implantou a cisterna de 2ª água – reservatório, construído com placas de concreto, para captação de água das chuvas, através de calçadões, ou em anéis construídos em terrenos com declives -.

A terceira tecnologia social veio no ano de 2015, por meio da SDA e do Projeto Paulo Freire. Um sistema de reúso de água cinza – tecnologia social de reaproveitamento das águas cinzas do uso doméstico (lavagem de roupa, de louça, banho e outros)-, foi instalado e, para atender as necessidades hidráulicas do reuso, a família levantou uma nova casa de alvenaria.

Por fim, um biodigestor – tecnologia simples e prática para aproveitar restos orgânicos, dejetos de animais e para a produção de gás – foi construído em 2018, através do Bento505, empresa de consultoria de energia limpa e renovável. O equipamento se encontra ligado ao sistema hidráulico do reuso.

A partir da assessoria técnica do Projeto Paulo Freire, a intervenção conta com o financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), em parceria com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário (Seda). Executado desde ano de 2015 pelo Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (Cetra), o conjunto de ações visavam, inicialmente, contribuir para a qualidade do padrão alimentar, assim como aumentar a capacidade de superar as dificuldades de conviver com o Semiárido, mas, como veremos adiante, os resultados foram além, como afirma a Dona Lucivalda, residente na propriedade.

 “Eu pensava que o sistema de reúso de água cinza servia apenas para reaproveitar pras plantas, mas descobri que dá pra ganhar até dinheiro, pois meu filho passou a vender húmus e minhocas.”

O quintal da família tem um tamanho de 100 m². Nesse espaço eram desperdiçados em média trezentos litros de água por dia, expostos a céu aberto, afetando inclusive a saúde das aves e dos animais. Assim, o sistema de reúso de água possibilitou o aproveitamento de 100% dessa água, totalizando um consumo de 109.500 litros de água por ano.

Com o reúso de água cinza, uma água que seria desperdiçada está sendo conduzida por um filtro biológico e passa a irrigar a produção de alimentos diversificados no quintal.

Essa água, abundante e saudável, possibilitou a ampliação de canteiros para o cultivo de hortaliças. Como resultado, existe produção de alimentos praticamente em todos os meses do ano para o consumo familiar, além do suporte forrageiro para os animais.

Outros fatores geográficos e ambientais também influenciaram na produtividade alcançada pela família. A terra com disponibilidade para se trabalhar é cedida pelo tio, e proporciona acesso ao rio, preservado por mata ciliar nativa, que garante água entre os meses de janeiro a junho. Como impacto negativo: no período de chuvas muito intensas, o nível do rio aumenta, inundando grande parte do quintal.

Por outro lado, possibilita o acesso à água o ano todo, por meio de cacimbas, que são utilizadas para o cultivo de plantas. O solo, por ser argiloso, contribui para ambos os fatores. Nesse cenário, percebeu-se que a escassez de chuvas e elevadas temperaturas poderiam ser amenizadas com a implementação dessas tecnologias sociais.

 

A divisão de tarefas fez a diferença na produção.

Biodigestor da família barroso, que hoje evita os custos com a compra de gás de cozinha.

 

De baixo custo e fácil gerenciamento, essas melhorias impactaram de forma positiva o desenvolvimento da unidade de produção familiar, mas ainda sim, o grande diferencial dessa experiência é a divisão de trabalho realizada pela família Barroso.

A autonomia da mulher, o interesse e gerenciamento para funcionamento de cada tecnologia. As responsabilidades atribuídas para os membros da casa – tanto individuais quanto coletivas – resultaram na diversidade e soberania alimentar, geração de renda para a família, em particular para o jovem agricultor.

A assistência técnica complementou os impactos ambientais, resultando na melhoria da vida. Com apoio dela, conseguiram aperfeiçoar o gerenciamento de tempo, dando visibilidade e mostrando a necessidade de valorizar o trabalho da mulher e dos jovens.

Antes da implantação das tecnologias sociais existia uma quantidade reduzida de plantas no quintal. Um pé de acerola, um pé de coqueiro, ateira, mangueira, goiabeira e um canteiro. Só era possível produzir algumas culturas no período das chuvas. A família consumia milho, feijão, melancia, jerimum, melão e pepino no período da safra (de março a agosto). O milho e feijão normalmente eram estocados e consumidos durante o ano. Toda produção era direcionada para o consumo, pois não havia excedente.

A família já desenvolvia atividades de criação de aves, ovinos, suínos, bovinos, como prioridade o consumo familiar. Comercializam produtos na própria comunidade, tais como o leite, mamão, ovinos e bovinos. Diante disso, os Barroso tinham que comprar insumos externos, e inserindo na compra frutas, verduras e forragem para os animais.

Hoje, a produção da unidade familiar é destinada para o consumo, sendo o excesso comercializado. Essa venda acontece na própria comunidade, afirma dona Lucivalda, que utiliza o aplicativo do WhatsApp como ferramenta para vender seus produtos. Segundo ela, sem ter dificuldade: “Basta divulgar o produtos nos grupos da comunidade, que a venda é imediata. Uso desde que a tecnologia apareceu por aqui”.

 

O que mudou?

Após as implantações das tecnologias sociais, foi possível observar a diversificação das culturas, além de diversas outras mudanças. Vamos ver algumas delas:

  • Maior diversidade de alimentos. Hoje o pomar da família Barroso possui pés de mamão, acerola, goiaba, amora, romã, graviola, maracujá, limão, banana, coco, sapoti, caju, manga e ata. A horta exibe tomate, cebolinha, couve, pimentão e coentro.
  • A produção diversificada também melhorou o suporte forrageiro. Para a criação de bovinos, suínos, ovinos e aves, dispõem-se, agora, de capim, cana, palma, gliricídia, leucena.
  • Dois resultados inesperados contribuíram ainda para a economia da família: a produção de húmus de minhoca e a melhoria na saúde das galinhas, que já não ciscam pela água cinza.
  • O biodigestor ainda reservava duas boas surpresas: O gás metano – produzido a partir do processo de fermentação anaeróbica de dejetos bovinos e água – é o mesmo do gás de botijão. Ademais, a produção do gás gera biofertilizante, denominado de chorume, uma rica fonte de nutrientes para as plantas no quintal do reuso.
  • As ações também trouxeram economia. A cada dois meses a família também tinha que desembolsar um valor de R$ 70,00 para aquisição de um botijão de gás. Associado a isso, havia um desgaste físico com a quebra de lenha, pois para que o botijão tivesse mais tempo de duração, se fazia necessário o uso do fogão a lenha. Hoje, com o biodigestor, a família não tem mais essa despesa.
  • Quanto a comercialização anual, ela representa R$ 9.233,60 nos ganhos da unidade familiar, o que corresponde a um incremento de renda de R$ 769,47 por mês. Antes, a renda familiar era em torno de R$ 400,00/ mês.
  • Ao mesmo tempo, o valor bruto dos alimentos consumidos anualmente – fazendo uma previsão caso esses fossem adquiridos no mercado – é de cerca de R$ 8.236,00 (R$ 686,33/mês) a partir das tecnologias sociais. Sendo a produção baseada na agroecologia – que descarta qualquer tipo de produto químico sintético – temos, além da economia, o benefício de contribuir para melhoria da qualidade de vida da família.
  • A cumplicidade e divisão de tarefas entre a família é um grande diferencial. No dia a dia, Dona Lucivalda e Seu Assis dividem as tarefas com os filhos. Seu Assis quase sempre prepara o almoço com dona Lucivalda, e a manutenção das tecnologias fica sob a responsabilidade de Gino e toda sua família. Juntos fazem a colheita, a comercialização e a gerência do recurso da venda.

As tecnologias implantadas possibilitaram melhor convivência com o Semiárido. A família, que vive numa região cujo o clima é bastante quente, vivencia uma experiência de superação, pois atualmente conseguem produzir no quintal o ano todo, por ter água disponível e mão de obra familiar.

Com isso, vemos como a alimentação produzida por eles, com práticas agroecológicas, garante uma alimentação diversificada o ano todo, resultando em mais saúde, autonomia e soberania alimentar.

 

Quem faz a experiência?

Essa é a experiência da Família Barroso, que reside no município de Massapê/CE.