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B Boas Práticas na Convivência com o Semiárido

Organização Comunitária
Artesanato sustentável

À esquerda, espaço de comercialização do grupo; à direita, mulheres produzindo algumas de suas peças.

 

O que é?

Vamos conhecer a trajetória da Associação Artesanal Formiguinhas em Ação, que trabalha, como produto principal, com o artesanato produzido com a folha da palmeira do ouricuri.

Dois elementos tornam essa experiência no Semiárido sergipano exitosa: a busca por parcerias que ajudam na transformação de uma simples atividade produtiva manual em um verdadeiro empreendimento, e a geração de renda com impacto ambiental negativo.

A principal matéria-prima do artesanato vem da natureza: a folha da palmeira ouricuri. Mas o grupo adotou um extrativismo sustentável, para não causar morte prematura da planta e a extinção da espécie.

 

Onde aconteceu?

 

A Associação Artesanal Formiguinhas em Ação fica na comunidade passagem – uma vila de operários da fábrica de tecidos Gonçalves, no município de Neópolis, estado de Sergipe.

 

Como aconteceu?

O grupo surgiu há quinze anos, quando quatro moradoras da Vila Operária da Passagem bordavam tiras de sandálias de borracha com miçangas para revenda. Para isso recebiam R$ 0,50/sandália. Depois passaram elas mesmas a bordar e vender as sandálias, que eram comercializadas na feira livre do município.

Cansadas dessa rotina, decidiram que era chegada a hora de dar novo rumo à sua vida. Então, aprenderam a produzir profissionalmente o artesanato com a palha do ouricuri, planta abundante na região.

Assim, tendo a preocupação com o impacto ambiental, elas retiram apenas uma folha nova por planta, com uma coleta por ano na mesma planta, além da alternância das áreas geográficas de coleta. Com essas medidas, preservam cerca de 600 plantas anualmente.

Para a escolha do nome do grupo, se inspiraram na fábula das formigas que trabalham cooperando umas com as outras no verão, para terem reserva de alimentos no inverno. “Também tem a ver com a colheita: no inverno não tem como fazer a secagem da palha. Por isso temos que fazer um estoque no verão, igual às formiguinhas”, explica  a presidente da Associação, Alexsandra da Silva.

 

Como implementar?

 

Mulheres da Associação exibindo a diversidade de seus produtos.

 

Acreditando que era possível, as mulheres foram em busca de apoio. Conquistaram o local para produção, cedido em comodato pela Fábrica de Tecidos Peixoto.

Foram buscar empréstimo no Banco do Nordeste e qualificação no trançado da palha de ouricuri com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Sabiam, então, fazer cestos, calcular seu preço, comercializar – porém, seus produtos começaram a mofar no inverno.

Com alunos do curso de Química da Universidade Federal de Sergipe, aprenderam a preparar a palha para ficar resistente a fungos, valorizando a qualidade dos seus produtos. O grupo foi crescendo e, em 2007, formaram a Associação Artesanal Formiguinhas em Ação.

Podemos dizer que o trajeto das mulheres apresenta três fases: a primeira, entre 2002 e 2005, com produção informal; entre 2005 e 2016 quando aprenderam noções de mercado, aperfeiçoaram seus produtos e formalizaram a Associação; e a partir de 2017, com a intervenção do Projeto Dom Távora (PDT) – financiado pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e pelo Governo do Estado de Sergipe – onde foi possível agregar máquinas e equipamentos para aumentar a produção, ampliar o número de participantes no grupo produtivo para 22 artesãs e ampliar também a diversificação dos produtos.

Quando chegou na comunidade, o Projeto fez uma visita técnica às instalações da Associação, que causou boa impressão pela qualidade do artesanato e o alto nível de organização do grupo. Por outro lado, o grupo carecia de equipamentos, de reserva de matéria prima e de acessórios para manter a regularidade da produção. Além da necessidade de ampliação do número de mulheres, o que exigiria nivelar as habilidades entre antigas e novas participantes. Outro problema encontrado foi que quase não haviam ações de divulgação do trabalho.

 

Parcerias que vieram para somar!

Em reunião com todos os membros, o Projeto Dom Távora se propôs a fazer investimentos financeiros para potencializar essa iniciativa produtiva.

Assim, para a elaboração do Plano de Investimento, a coordenação estadual do PDT contratou a consultora Erika Leão de Oliveira, do Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento. “Foi rico o envolvimento das mulheres no processo de elaboração do projeto. Elas fizeram um resgate da trajetória do grupo, e enxergaram nessa trajetória suas possibilidades e potencial”, explica.

Assim, buscando sanar algumas deficiências da comunidade, a ação do Projeto Dom Távora objetivou a expansão da coletividade e o reconhecimento da Associação através da divulgação de seus trabalhos.

Com os recursos financeiros, foram adquiridas máquinas de costura industrial, motores, serras e suprimentos para produção dos artesanatos, como tinta, tecidos, lixas, agulhas, pincéis, massa etc. A equipe promoveu ainda a capacitação para uso dos novos equipamentos e para gestão social e financeira do projeto, por meio do Instituto de Assessoria ao Desenvolvimento Humano (IADH), em contrato com o PNUD.

A intervenção atraiu novas artesãs, com habilidades diferentes. Para manter o nível de qualidade, as estreantes seguem cursos de formação e trabalham com maior regularidade.

Agora existem subgrupos especializados na produção de luminárias, croché, panos de prato, biscuit, ponto cruz e pintados. “Não ficamos dependendo apenas do produto da palha,” diz a tesoureira Jaqueline Santos.

Com a divisão de tarefas tanto gerenciais quanto produtivas – com equipes de direção, conselho fiscal, comitê de controle do Projeto Dom Távora, equipe de licitação e equipe de limpeza, é possível melhor desenvolver e potencializar as atividades do grupo.

Assim, as Formiguinhas se dividem e trabalham em conjunto! Dos 24 associados, dois são homens e cuidam da coleta das palhas, e 22 são mulheres organizadas conforme a expertise de cada uma. Quinze delas produzem artesanato de palha – com capacidade de quarenta peças por mês, enquanto duas pintam cem peças em tecido. No mesmo período, quatro mulheres trabalham com biscuit, originando cinquenta peças, mas bastam duas crocheteiras para cinquenta artigos e somente uma para cinquenta luminárias artesanais.

Com seis tipologias de artesanato, produzem peças cujo custo varia entre R$ 7,00 um pano de prato a R$ 100,00 uma mandala grande. Pelo controle do livro caixa da associação, as artesãs novatas têm renda entre R$ 150 a R$ 200. Já as mais antigas, com maior habilidade na produção, conseguem produzir mais e alcançar uma renda mensal entre R$ 300 a R$ 500. Recebem do que conseguem produzir e repassam uma parte para o fundo rotativo da associação.

 

O que mudou?

Com os novos investimentos no projeto, tanto financeiros como formativos, podemos identificar resultados a nível coletivo, vejamos alguns:

  • Ampliação e diversificação dos produtos – com melhor acabamento, além do acréscimo da palha de ouricuri em produtos que já faziam, combinando a palha com outros materiais, para poupar as palmeiras. Assim, um número cada vez maior de plantas pode ser preservado.
  • Melhoria na apresentação do produto e da embalagem e melhor controle da produção e do estoque. O que evidencia o amadurecimento da gestão do negócio, que inclui também calcular o preço do produto e melhor promover a divisão de tarefas.
  • Hoje, através de regulamento da Associação, cada artesã tem o compromisso de entregar no mínimo cinco peças para venda por mês, totalizando cento e dez peças. Tomando o preço médio estimado por elas de R$ 30,00 a peça, atinge-se o valor de R$ 3.300,00 em peças/mês.
  • A comercialização ainda é um gargalo. A loja física fica na vila operária, difícil de localizar. Para incrementar os negócios, as mulheres planejam a criação de uma loja virtual. A associação também é cadastrada no Programa do Artesanato Brasileiro do Governo Federal, que dá direito de participação em feiras em Aracaju, Belo Horizonte, São Paulo – além das feiras regionais e locais. Nessas ocasiões conseguem triplicar o rendimento normal do mês, pois a qualidade do seu artesanato virou referência.
  • Através de regulamento também, – que elas seguem fielmente – toda associada contribui mensalmente com R$ 20,00, sendo R$ 5,00 em espécie e R$ 15,00 em peças, resultando em R$ 440,00 de renda para o caixa da associação. Além disso, devolvem para o fundo rotativo o valor da matéria-prima utilizada.
  • O baixo nível educacional, assim como não terem com quem deixar os filhos para participar das atividades coletivas, ainda são desafios para o grupo. Na região onde vivem, mais de 80% da população sobrevive do programa Bolsa Família, e quase 30% dos jovens não trabalham nem estudam, contribuindo para o índice de analfabetismo de 22,7% da população.
  • Do ponto de vista individual, é evidente a melhoria da autoestima das mulheres, que hoje contribuem para a renda familiar e têm uma especialização profissional. Sobre isso, Rubenice Pereira, vice-presidenta da Associação, relata: “Grande parte do material de construção de minha casa própria foi adquirida com a venda de artesanato e dos cursos de artesanato que dei. Fui contratada pela Secretaria de Estado da Ação Social para ensinar o trançado em palha em outros municípios. Eu não esperava esse convite do governo para ser instrutora de artesanato em palha de ouricuri. Foi uma experiência muito feliz”.
  • Como Rubenice, outras associadas já conseguiram deixar a vila operária e compraram a casa própria. Muitas também já adquiriram eletrodomésticos, motocicletas e contribuem na renda familiar, tudo com a renda do artesanato.

Como fatores decisivos para se alcançar todo esse fortalecimento da organização, podemos destacar a iniciativa de terem buscado parcerias a cada dificuldade que encontraram, e a consciência da igual importância da união do grupo, além, claro, da sua expertise artesanal.


Quem faz a experiência?

Essa experiência foi realizada pela Associação Artesanal Formiguinhas em Ação, que fica na Comunidade Passagem, no município de Neópolis/SE.